terça-feira, novembro 01, 2016

EU VI O MEU OLHAR REFLECTIDO NOS TEUS OLHOS, PAI


"Há uma semana que ando preocupado e de certa maneira em choque psíquico, depois de ter passado uma noite com uma vivência terrível. Deslocava-me contigo ao longo de um parque e íamos apressados e connosco outras pessoas também se dirigiam na mesma direcção. Não sabia exactamente para onde íamos, mas sabia que tínhamos que ir e eu conhecia mais ou menos bem o caminho e sabia que tínhamos que passar uma ponte, não sobre um curso de água, mas sobre uma vala funda. Ao lado da ponte havia uma grelha de betão que tapava um poço de uma profundidade incalculável que eu sabia ser uma boca de um colector de grande profundidade.
Eu ia preocupado contigo que voluntariosa recusavas a minha mão guia e seguias sempre um pouco atrás sempre recusando qualquer coisa que eu não entendia.
Ao meu lado alguém que eu não identifico ou não me recordo, também se preocupava com o que me preocupava, esse alguém, parecia que aparecia e desaparecia.
Quando passávamos a ponte eu avisei toda a gente que não pisassem a grelha que estava toda partida e olhei para ti que te tinhas atrasado outra vez e gritei para que não pusesses os pés na grelha. Já estava no fim da ponte, quando olhando novamente para trás vejo-te parares ao pé da grelha e depois saltares de pés juntos para o centro da grelha e afundares-te… gritei e corri para lá, a grelha tinha desaparecido e lá no fundo mal se via a água que reflectia um pouco do céu!
Gritei, chorei e ali fiquei, não sei quantas horas com as pessoas que iam passando querendo arrancar-me dali… Sentia-me sozinho, vazio e desesperado… tudo foi vivido com uma intensidade e pormenores que depois de ter passado já uma semana ainda não me sinto recuperado! E ainda sinto uma angustia terrível… e preocupado com o desaparecimento daquela pessoa que do meu lado não voltou a aparecer!
Não sei em que tempo isto aconteceu! Mas sei que recordar um acontecimento destes não me foi nada terapêutico.

Teu Pai José Manuel"

Excerto de uma carta escrita a 20 de Novembro de 2001